20071124

O PROCESSO DE PLEBISCITARISMO QUE ACOMETE A AMÉRICA IBÉRICA

O processo plebiscitarista tem sido uma seqüência adotada quase como regularidade planejada por governos que conseguem maiorias frágeis e instáveis em países ibero-americanos em efeito dominó.A partir do exemplo venezuelano, que foi exceção quanto à maioria conseguida por Chavez à presidência em 1999 (52%), a Bolívia, o Equador e agora Nicarágua – que pretende algo semelhante – visualizam neste instituto uma forma de pressionar o sistema democrático representativo organizado instituído em Parlamentos.E assim fazer passar reformas que de outra maneira, seriam muito mais negociadas, demoradas e com certeza muito emendadas.
Ao mesmo tempo, as assembléias constituintes que se organizam logo após os processos plebiscitaristas aproveitam o efeito da ação coletiva, preparando , ao invés de redistribuição de poder , descentralização e reforço de novas formas de federalismo por confederações com empoderamentos locais e regionais, o absolutismo no soberano presidente.Esta estratégia tem sido formulada como “efeito de guerras de posição e de movimento” no sentido preconizado por Antonio Gramsci, tomando rapidamente de surpresa as instituições de frágeis sociedades civis, ocupando-as com multidões em forma de massas de acossamento, na feliz expressão de Elias Canetti em sua célebre obra Massa e Poder. É um tipo de ação que visa formar hegemonias de um suposto campo "popular", algo do ponto de vista sociológico, rigorosamente inexistente.Trata-se de um fantasia política organizada pela ansiedade de reconhecimento, dado que a natureza dispersa e difusa do espectro de representação da categoria de povo, sequer permite a formação do que se chama de "campo" em ciências sociais.
Elias Canneti, nascido em 1913 , vivenciou a segunda guerra mundial e estratégias totalitárias tanto do nazi-fascismo como do comunismo na Romênia, e sendo um grande romancista e também ensaísta. se exilou na Inglaterra, de onde escreveu obras famosas, ganhando o Prêmio Nobel de Literatura em 1981.A “massa” no caso, se antepõe às formas representativas como justaposição a elas, e exerce o sistema de vontade coletiva ou geral, como preconizada de forma semi-esquizofrênica no século XVIII por Rousseau, organizando-se uma comuna holística, onde as dimensões de liderança estão opacas.Mas só aparentemente, porque exercidas pela média proporcional da maioria segundo sua informação precária, disponível à sua primeira evidência, caracterizando reducionismo representativo quando a decisão se exerce no acumulado da votação, que beneficia a desinformação geral..Assim, no caso específico de regiões da América Ibérica, o que se tem são votos fragmentários e segmentários, como o voto étnico, realmente importante na região andina,onde a população de origem pré colombiana e portadora de memória longa anti-européia (mais de 60%).Entretanto, mesmo assim, as questões representativas qualificadas aparecem turvadas, não mostram inter e transculturalismo, porque uniformizadas pelo plebiscitarismo difuso.Na Nicarágua, embora também a questão apresente fortes elementos etnoclassistas contra o núcleo de uma sociedade civil e comercial de origem mestiça-hispânica ,o problema é de outra natureza.Ali, se desenvolve minoritariamente o desejo de viabilizar estratégia de golpe presidencial de Daniel Ortega, apoiado em 38% de votantes rurais, contra classes médias e empreendedores urbanos para implantar um regime comunista de tipo cubano.
A grande contradição normalmente deixada pelos regimes oligárquico-rurais e pelas linhagens de descendência hispânica na América Ibérica foi o impasse quando se tratou da construção da modernidade americana.Os liberais democráticos – seja visando recompor exportações, ampliar as classes médias dos escritórios, serviços e reformar atividades rurais – entraram logo em conflito com os totalitários comunistas, que também desejando romper com a herança mercantil européia, visaram aproveitar-se da indefinição para implantar uma burocracia apoiada nos grupos mais desqualificados e nos operários, religiosos e estudantes. E assim reforçar um modelo arcaico seja de tipo nativo, seja de representação coletiva coercitiva.Quando este conflito cedeu, possibilidades de encaminhar reformas sociais democráticas se apresentaram, cedendo também a burocratização comunista e algum diálogo entre partes.Nos anos 1990, um projeto de liberalização do comércio exterior e captação de novos investimentos, rompeu com qualquer possibilidade de consenso.O comunismo militante, que já era uma proposição antiquada e inviável, porque visualizava um estágio de superação de consciências e organizações conflitivas por uma suposta consciência redutiva e comum que operaria todas as outras, fazendo redistribuição do trabalho em auto-gestão uniforme - tornou-se próximo do terrorismo nos países retardatários.
Argumentos sérios de pesquisa hoje levam em conta a possibilidade da comunitariedade multicultural pós-industrial como hipótese geral, e nos casos específicos de países retardatários, a formação de cada caso de de capital social nas comunidades com suas características próprias.