20071122

ARGENTINA E BRASIL EM NOVA APROXIMAÇÂO

A visita de Cristina Kirchner a Lula deve ser vista como primeira importante inflexão da política exterior argentina desde Carlos Menem. Mesmo com este último, a Argentina sempre praticara inserção parcial no Mercosul enquanto se mantinha voltada às suas origens de migração européia tardia ou acenava com relações especiais com os Estados Unidos. Após eleita, Cristina declarou que os argentinos se dão conta que sempre estiveram na América do Sul mas "olhavam para outro lugar", e que agora deve ser "primeiro o Brasil, depois o mundo".

Esta nova orientação tem a ver também com a crescente vinculação da economia argentina ao Brasil. Do lado brasileiro, a aproximação é facilitada quanto mais a política externa brasileira vai abandonando soluções que se fizeram improvisadas de multiplicar alianças difusas e reforçando sua política fundante desde 1903 com o Barão de Rio Branco e brilhantemente reformulada e ampliada pela doutrina Oswaldo Aranha nos anos da Segunda Guerra e na presidência das Nações Unidas: o panamericanismo inclusivo, que contempla posição de relevo do Brasil nas Américas e aliança com a Argentina, iniciada desde 1941. Ela prevê efetiva construção de nações grandes e fortes, mercados amplos e sólidos em configuração com os Estados Unidos nesta parte do hemisfério como verdadeira boa vizinhança; e o resguardo efetivo do Brasil no Atlântico Sul ampliando sua natural posição africana. Esta doutrina, enunciada em diversos momentos pelo nosso maior chanceler, já levava em conta o multilateralismo e o pós-eurocentrismo no mundo, sem ser exibicionista nem pretender alianças anti-imperialistas, mas sim desconcentrar super-poderes mundiais.

O quadro sul-americano favorece neste momento aliança estratégica como a pretendida por Cristina, que hábilmente percebe no Brasil natural aliado para a segurança e prosperidade no hemisfério, onde problemas energéticos se somam a aumentos injustificáveis da Venezuela com despesas militares, envolvida com doutrinas do século XIX de um "destino manifesto" bolivariano - a esta altura formando um eixo caribenho-andino-islâmico.

Cristina pretende, é claro, barganhar também melhoria da sua posição relativa, e se arremete a esta tarefa sabendo que tem mandato interno amplo.Visa integrar uma Argentina dividida há mais de um século entre aristocratas de Buenos Aires e provinciales, e que por isto já sofreu cinco golpes de Estado desde 1930 a 1976. Grande parte do sucesso de Nestor Kirchner foi conciliar demandas das indústrias tradicionais – mobiliário,têxtil e confecções, calçados e ainda o setor primário - com crescimento econômico e atendimento às classes desprovidas. Por isto, o protecionismo anti-Brasil em todos estes setores. Já ramos industriais mais sofisticados como eletro-eletrônico, metalurgia avançada, automobilístico se recuperaram mais lentamente, descontentando camadas mais altas, que votaram contra Cristina.Subiram exportações de commodities argentinas, muito desejadas no mercado internacional, com preço competitivo pelo câmbio desvalorizado – o que também prejudicou importações mais sofisticadas.

Sua intenção de desdolarizar a relação com o Brasil atende ao interesse imediato de criar conta corrente que viabilize importações – pois a economia argentina tem grandes carências para ampliar suas industrias, especialmente na área de bens de capital, o que o Brasil pode fornecer. Desde eleita, deixou claro que apostaria em novas tecnologias para aumentar produtividade na agro-indústria e aumentar informática visando exportar valor agregado. Quer combater pobreza, desemprego e atender saúde, educação e qualidade de vida. Isto agora se desenha em integração com o Brasil, onde se definiu comissão com reuniões periódicas de cúpula.A primeira, já em fevereiro.

O problema que se coloca é ampliar o benefício também para o Brasil. Pode-se fortalecer integração de cadeias produtivas, pesquisa científica, energética, e principalmente alterar qualitativamente a estrutura produtiva dos dois paises, colocando-as formidavelmente em outro nível. O Brasil tem comprado matérias primas argentinas e vendido produtos com maior valor agregado, com superávit de U$ 3 bilhões neste ano.Se os níveis forem mudados e ampliados, aumentam comércio e volume de transações. Restrições tributárias que os argentinos pretendem impor a investimentos estrangeiros seria um retrocesso, atingindo importantes capitais brasileiros que investiram na Argentina. Isto é completamente contrário ao sentido do Mercosul.

O Brasil continua fazendo muitas concessões e precisa torná-las viáveis. Diz que garantirá abastecimento energético aos argentinos e estudará aumentar financiamento de longo prazo para suas empresas. A produção dos argentinos irá se viabilizar às custas da economia brasileira. Isto terá sentido se ampliar também a participação do Brasil no volume de negócios argentino e principalmente, facilitar decisões micro-econômicas entre os dois paises.Aquelas que realmente importam no dia a dia para os agentes operarem em mercados, legislações, sociedade civil e burocracia. Que reduzem custos de transações, incentivando empreendimentos comuns, corredores de fronteiras e instituições comuns no ensino, comércio e investimento.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, estado que tem a fronteira mais importante com a Argentina no Brasil, deverá ter um papel sub-nacional estratégico nesta nova fase.

Para isto, tem que mobilizar logo e de forma pró-ativa suas principais lideranças.Começar a verificar novamente as extensões de suas cadeias e corredores produtivos, suas integrações de empresas, escolas, centros educacionais, centros universitários, institutos de pesquisa, projetos turísticos integrados, instituições de saúde, porque a desconcentração de decisões aos agentes sub-nacionais é a primeira e mais importante consequência. Representa formação conjunta de capital humano.