20080218

AMERICANIDADE

OBAMA, HILLARY, OS ESTADOS UNIDOS E AS OUTRAS AMÉRICAS
"A escolha nesta eleição não é entre regiões ou religiões ou religiões e gêneros. Não é sobre ricos e pobres, não é sobre jovens e velhos, sobre negros e brancos. É sobre passado e futuro, se nós podemos nos colocar dentro das mesmas divisões e distrações e dramas que passam na política hoje, ou se buscamos um novo sentido comum de inovação, uma política de sacrifício compartilhado e prosperidade compartilhada". Barack Obama, Carolina do Sul, 28 de janeiro
Neste discurso de Carolina do Sul, Barack Obama já mostrava clareza em perceber que se considerava representante da mais diversificada coalizão formada nos Estados Unidos em muito tempo. Acrescentou que eram "velhos e jovens, ricos e pobres, negros e brancos, latinos, asiáticos e americanos indígenas". Nas últimas semanas, esta coalizão não apenas se confirmou, mas somou mulheres sós com filhos, e começa a alcançar trabalhadores homens sindicalizados, tradicionais clientes da seguridade social, do Partido Democrata e de Hillary Clinton. Venceu em 26 estados contra 12 de Hillary, e foi ligeiramente brecado por sua recuperação proporcional nos grandes Texas e Ohio. Mas demonstrou homogeneidade no Norte, Sul, Leste e Oeste e no que os norte-americanos chamam de heartland, ou o interior rural desconfiado como Missouri, capital do Kansas produtor de trigo, onde desde 1904 quem não vence primárias, não é presidente da República.E ganhou no grande estado sulino da Virginia, símbolo do Pais (terra de Washington e Jefferson) entre eleitores anglo-saxônicos e também na pequena comunidade local ibérico-hispânica - avançando sobre o eleitorado da adversária até na população de mais de 60 anos. Em 2000 e 2004, Bush ganhou ali.
Pelas projeções da Associated Press, que calcula também a tendência dos super delegados (20% de notáveis membros do partido que votam na convenção e podem provocar desempate final quando há muito acirramento, funcionando quase como Poder Judiciário interno), Obama está na frente onde houve primárias, com 1569, contra 1462. Para o New York Times, que calcula somente votos proporcionais recebidos em cada estado e distribuídos entre os delegados do estado para cada candidato, e mais de superdelegados que abriram voto, Obama tem 1500 delegados contra 1394 de Hillary.
Os delegados que candidato deve atingir para ganhar a convenção são de 2.025, considerando que 4.049 votarão na convenção democrata, incluindo os 796 notáveis. Hillary equlibrou votos da comunidade ibérico-hispânica do sul, principalmente do Texas, em março. Conseguiu até agora mostrar que consegue melhor desempenho em grandes regiões e colégios, mas sua diferença diminuiu a cada dia, enquanto a penetração de Obama, mesmo nos grupos tradicionais, aumentou e tem desempenho de grande regularidade.

Obama tem dito freqüentemente, que:

Sabe que isto está ocorrendo porque os eleitores querem mudar a política usualmente lobbista em Washington e não apenas trocar de partido no Governo.Que esta política favorece um ou outro contrastadamente em bipartidarismo, há décadas se demonizando e impedindo a resolução de vários problemas em comum, como energia limpa.Que isto criou a concepção de que qualquer atitude e meio são válidos para ganhar eleição e levou à descrença em líderes políticos.

Que a sociedade deve estar atenta para composições que irão querer impedir que ela alcance suas aspirações, usando religião como símbolo e patriotismo como escudo para dizer o que se deve pensar, confinando supostamente o eleitor dentro de categorias, supondo que os jovens são apáticos e que os republicanos não cruzarão linhas partidárias.Que os poderosos e ricos não se preocupam com despossuídos e que negros e latinos não podem se unir.

Ao somar todas as agendas contrárias de seus adversários e proclamar que era a hora de mudar, usou o exemplo de escolas decaídas roubando o futuro de crianças negras e brancas igualmente, casas que estão à venda negando a habitação a ambos, a mãe que não pode ter assistência médica para todos os seus filhos e necessita de plano de saúde a baixo custo como todos os americanos; o professor que se alimenta mal para continuar dando aula e necessita de reforma no sistema de educação para auxílio técnico, melhor pagamento e seus estudantes melhores recursos.O trabalhador de baixos serviços que compete por 7 dólares a hora porque sua fábrica fechou, e reclama fim de subsídios para companhias que empregam fora dos EUA.E conclamou a que este dinheiro seja posto no bolso dos americanos e dos aposentados com dignidade e respeito.

Este discurso tem levantado compaixões, dos jovens à senhora idosa e ao casal de meia idade. Tem perturbado aos republicanos e promovido adesões de eleitores tradicionais em vários lugares desde Susan Eisenhower, neta do famoso general-presidente, ao general Colin Powell - que ainda não declarou seu voto, mas já disse publicamente que Obama é o fenômeno político mais interessante e importante surgido nos últimos anos e aguarda para tomar uma posição, insinuando que pode até mudar de partido.Também tem apoio e aliança de Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve nos anos Reagan e de Zbgniew Brzezinky, ex-assessor de Segurança Nacional do período Carter. De negros empresários que se proclamam conservadores multiculturais de Chicago a Ted Kennedy e Caroline Kennedy, que já o identificou como reformador tão importante como seu pai John. Recebeu recente suporte de dois tradicionais ativistas negros, aliados de Hillary Clinton.Uma aliança diversificada e reformada.

É um discurso que seguidamente invoca a condição de nação mais rica do mundo dos Estados Unidos e a situação social em que se encontra comparada a outras nações, provocando abalo na auto-estima dos americanos e um incitamento à ação.Se a linguagem de George Bush foi denominada por ele mesmo de conservadorismo compassivo - porque deveria ser de compaixão com os necessitados e de conservadorismo com o controle e resultado da ajuda, algo que nunca colocou em prática - a de Obama está sendo a de compaixão cívica - a união civil ampliada entre grupos sociais de interesse, associações, famílias e excluídos de variadas procedências e formações, prejudicados pela enorme concentração de renda havida na sociedade norte-americana. Procurando agora transformar essa união em um grande movimento comunitário que lhe dê a vitória nas prévias e após a eleição à Presidência.

  • O vizinho Canadá já experimenta há muitos anos a reunião de várias culturas e formações diferentes em diversas organizações sociais e lhe dá o nome de sociedade de compaixão social evoluída, quase marca registrada do País, ampliada pelo liberalismo multicultural que fez do respeito às diferenças motivo para construção de produtividades emergentes e direitos reconhecidos. Mais adiante, trago observação sobre a experiência multicultural ampla de Americanidade e das sociedades híbridas, apresentada pela professora brasileira e rio-grandense Zilá Bernd, reconhecida internacionalmente e presidente em 2003/2005 do Conselho Internacional de Estudos Canadenses Também apresento em outro bloco, visão do professor Louis Balthazar, conhecido cientista político canadense, especializado sobre a América do Norte e presidente do Observatório sobre os Estados Unidos em Montreal.

Obama busca avançar solidariedade de diferentes culturas e começou por fragmentar a composição de Hillary Clinton.Vejamos porquê.

Em primeiro lugar, Obama é mulato,uma grande novidade e um pouco distanciado dos conflitos dos direitos civis dos anos 1960, filho de um imigrante da elite do Quênia que conheceu uma anglo-saxônica de classe média americana.Ele amplia o desejo de inclusão com reconhecimento, trajetória dos afro-americanos em sua intenção de resolver para sempre o passado de escravidão com os mesmos direitos em um país com índice muito baixo de cruzamentos inter-étnicos, acesso mais igualitário e vida compartilhada em seus múltiplos aspectos. Até o momento, vigiu mesmo tácitamente, a regra de “iguais mas separados” – equal but separated. Ophra Winfrey, que está apoiando Obama, é a única bilionária afro-descendente dos Estados Unidos, excessão quase extravagante como resultado do show-business.

Em segundo lugar, Obama atingiu altos níveis de escolaridade, com PHD em Direito em Harvard, algo atingível em média por 3% dos afro-descendentes, em um país com níveis superiores deste tipo reservados para descendentes europeus, judaicos, asiáticos, árabes, nesta ordem.

Brancos de diversas origens são 73.9%,afro-americanos 12.4%,ibero-hispânicos 14.8%. Asiáticos 4.4% e outros 8.3%

Por último, Obama é religioso e laico ao mesmo tempo, visualizando os movimentos comunitários de orientação religiosa como auxiliares dos movimentos civis e não como seus adversários, em um País crescentemente marcado por divisões. O Sul fundamentalista baseado em sociedades de fé e assistência, religiosamente hierarquizado e empreendedor com base em crenças evangélicas muito tradicionais e mesmo carismáticas revivalistas, e o Norte/Nordeste, urbanizado e comercial, com sociedades civis vinculadas a causas de direitos comunitários ligados a etnias, grupos sociais, gênero, classe, ações afirmativas e serviços, onde a religião é assunto privado e professada em locais determinados. Obama é desta última tradição, mas acompanha bem a primeira: foi professor substituto de direito constitucional na Universidade de Chicago e organizador comunitário de direitos civis em associações religiosas que compartilhavam grupos de interesse, comunidades de vizinhança e associações por direitos à habitação e medicamentos.

Embora não exista censo oficial para religião, censos privados indicam que os protestantes são 52%, os católicos 24%, os evangélicos gerais, 24%.Ou seja, cresceram os ramos não tradicionais evangélicos na sociedade norte-americana, que são cultos recentes pertencentes a diversos tipos de seitas.

Obama se apresenta como representante político e também missionário em uma época de redefinição social, política, econômica e cultural nos Estados Unidos, e por isto está superando vários obstáculos, tanto dentro de seu partido como fora dele.O discurso que os democratas mais posicionados da esquerda tradicional chamam de populista, tem demonstrado,porém, estar consciente de parte destes obstáculos e se preparando para os próximos.

O primeiro obstáculo, depois da natural separação entre plataformas de republicanos e democratas, foi a percepção de divisão e alianças dentro do próprio Partido Democrata, à medida em que as primárias se apresentavam. Hillary Clinton se apresentava como grande novidade por ser mulher, em um País com hábitos ainda bastante masculinizados na Política pela atividade de clãs familiares e formadores de grupos de interesse na atividade partidária.Mas após o início das prévias, ficou à mostra que apesar de defensora das causas femininas e de grupos desavantajados em busca de representação, ela também era uma mulher tradicional, advogada de altas classes sociais com hábitos políticos tradicionais. Mesmo tendo defendido causas civis em vários momentos de sua vida, se aliou aos sindicatos para formar protegidos.

Também foi advogada de grandes causas comerciais e de grupos importantes em Washington.Foi quase sempre defensora de um Estado assistencial como formador de clientelas políticas e foi esta sua imagem de primeira dama que tomou forma mais definida na campanha. Tem apoio dos imigrantes ibérico-hispânicos que estão mais acostumados a troca de votos com oligarquias seculares.Sua grande bandeira é a reforma completa da Saúde, com compra geral pelo Estado ao setor privado de um sistema para fornecimento aos 47 milhões de norte-americanos sem assistência. Esta face se aproxima do que os norte-americanos chamam de "esquerda", ou "liberal", porque visa inclusão dos excluídos. Neste aspecto, em linguagem brasileira, seria "liberal-democrata" desenvolvimentista, que usa parcerias do Estado com redes de negócios privados para gerar inclusões sociais e estimular a economia.Em alguns casos, protecionista contra produtos e serviços estrangeiros e impositora de tarifas para proteção de empregos internos.Obama também pretende medidas nesta direção. É uma causa hoje muito demandada, depois que tanto o Nafta com a Ásia estão fechando negócios e retirando empregos nos Estados Unidos.Os anos Bush deterioraram a situação cortando espaços, treinamento e mercado interno de trabalho para os serviços de conhecimento, despachando Microsoft e outras empresas avançadas para a Índia com incentivos, contra os trabalhadores internos.

  • Incluo adiante os efeitos do Nafta sobre a América do Norte, os vizinhos México e Canadá e em outro bloco, a visão do professor Dorval Brunelle, Diretor do Observatório sobre as Américas, também em Montreal.

Na política dos Estados Unidos, Hillary Clinton passou a ser odiada pelos republicanos por ser mulher que adentrou espaços masculinos mais além do permitido na lógica dos conservadores. Ela não é apenas uma assessora e auxiliar dos homens ou uma média empreendedora, mas sim alguém com capacidade de também formar rede de clientela e ameaçar o domínio conservador, formado por clientes e atendimentos com grandes negócios.Há casos de lobbies envolvendo Hillary incluindo doações de campanha, nunca completamente esclarecidos.

A política tradicional do Partido Democrata sempre formou base em classes de trabalhadores e sindicatos, e os direitos sociais foram usados para apaziguar e retardar maiores direitos civis de minorias étnicas.Nos anos 1960, quando do projeto de Great Society de Lindon Johnson,esta ampliação de direitos civis começou a atingir escolas e universidades, mas não chegou a se consolidar.A visão de Hillary Clinton sobre a sociedade é mais homogênea e uniforme que a de Obama: amplia o que o marido fez de integração com as comunidades, mas reforça o Estado de Bem Estar diretamente no auxílio a pensões, plano de saúde, educação, auxílio desemprego e emergência, reformulando hipotecas de habitação Não se trata de reconstruir interferências completas do Estado como na época Roosevelt, mas chamar acordos entre representantes do trabalho e investidores de negócios em um ambiente social renovado.

Os conservadores não têm projeto e estão muito divididos.Seu grande projeto, que examino após, entrou em crise pelo fim do paradigma do Estado de Oferta, ou supply-side dos anos Reagan. A nova idéia que inspira John McCain, e que certamente dará o tom de sua campanha política, será aproximação com o que os americanos chamam de "centro", ou uma atitude de defesa da classe média contra hábitos aristocráticos gerados pelo desperdício havido na sociedade nos últimos anos, uma defesa de comportamentos comunitários e maiores espaços para empreendimentos, oferecendo renúncia de impostos para emprendedores.É um discurso muito exíguo para o tamanho dos problemas e a dimensão da mudança experimentada pelo País, especialmente seu déficit público , mas ainda há muita campanha pela frente.

Renda - Os dados de 2007 da Receita americana revelaram que os contribuintes ganharam rendimento menor em termos reais em 2005 do que em 2000, pelo quinto ano consecutivo. A média de renda dos contribuintes ajustada pela inflação foi de $55,238 comparada a $55,714 em 2000, e 70% percebem abaixo da média.
Os rendimentos da parcela enriquecida aumentaram, o que em cálculos globais aumentou a renda per capita, mas os ganhos se fizeram para quem percebe mais de 1 milhão de dólares por ano. A classe média passou muitas dificuldades e o custo de vida aumentou em muitas áreas que a afetam, como saúde, educação , combustíveis.
Depois do corte de impostos feito pela Administração, as estatísticas e estimativas feitas sobre dados do Departamento do Tesouro mostram que 28% da poupança foram somente para 13.776 contribuintes que ganham 10 milhões de dólares por ano ou mais,em 1.2 milhões de dólares per capita de devolução, em um universo de 134 milhões de contribuintes.

Os contribuintes acima de U$ 1 milhão, chegaram a 303.817 pessoas.
Os que ganham mais 340 mil dólares são 1 milhão de pessoas

Este conjunto representa 1% de todos os contribuintes e foi responsável pela concentração de 21.8% da renda nacional, a maior desde 1928, antes da Grande Depressão

Há 9% que perceberam acima de 100 até 340 mil dólares

E aproximadamente 90% dos cidadãos estão abaixo de 100 mil dólares por ano e pouparam uma média de 318 dólares.

Traduzindo para a forma brasileira de pensar: 90% das pessoas estão na faixa de até 8.300 dólares por mês. No nível de renda pessoal, é a intersecção de todas as camadas baixas com a classe média e passagem para níveis um pouco maiores de poupança na sociedade norte-americana.

É a diferença entre rendimentos e poupanças que vão formar riquezas nos domicílios em ações, fundos de pensão,aplicações e imóveis. Os maiores ativos destas pessoas são seus imóveis , diferente dos contribuintes maiores que têm ações e quotas de empresas. Como se diz em linguagem coloquial, estas pessoas estão pagando despesas, não estão prosperando.

A estratificação neste grupo deixa 33% com um rendimento médio entre 4.100 e 8.300 dólares/mês

E a imensa maioria de 67%, faz até 4.100 dólares por mês, ou seja, 4 salários mínimos. Considerando que o salário mínimo seria uma extensão de 7 dólares a hora por aproximadamente 160 horas/mês.

Mas é entre estes ainda que começa uma estratificação sobre o total por sua vez mais pobre

3.73% estão entre de 1.660 a 4.100 dólares

35.8% dos americanos ganham menos de 1.660

18.5% estão de 830 a 1660

e 9.0% de 416 até 830

É claro que há rendas compostas entre pessoas dentro de famílias, e isto forma rendas domiciliares, mas não são muito diferentes, considerando que os Estados Unidos já tinham em 2005, 13% abaixo de pessoas na considerada linha da pobreza - genericamente traduzindo para a linguagem brasileira, 833 dólares/mês para uma pessoa.

As famílias médias afro-americanas percebem 60% do rendimento de uma família de descendência européia ou branca genérica, mas têm mais desvantagens porque vivem de rendimentos, elas têm apenas 18% da riqueza de uma família média branca. Nos anos Reagan,houve alguma ascenção de emprendimentos negros que cresceram por benefícios maiores que os brancos

Os rendimentos nos Estados Unidos sempre estiveram vinculados à produtividade, e a eficiência era remunerada com maiores salários, mas o vínculo tem sido cortado porque de 2001 a 2005 a produtividade cresceu três vezes mais do que os salários, e 70% da renda nacional se dirigiu para pagar benefícios de executivos ao contrário de sete ciclos de negócios anteriores quando 77% de toda a renda iam para salários. Isto não desenvolveu outras profissões ou retreinou ocupações para uma nova sociedade.

As ações também ficaram muito concentradas.Embora 51% dos domicílios tenham ações,apenas 31% têm mais de 10 mil dólares em ações,e apenas 15% têm mais de 25 mil dólares.Os 10% mais ricos têm 85% de todas as ações.

Joseph Stiglitz, um dos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor muito qualificado de Colúmbia, publicou recentemente um artigo mais amplo, dedicado a publico não acadêmico na revista Vanity Fair de Nova York, mostrando que não se via esta desigualdade há 65 anos. Um jovem nos seus 30 anos hoje, tem uma renda ajustada pela inflação, que é 12 por cento menor do que o seu pai fazia há 30 anos atrás.Depois que Bush se tornou presidente, ou seja, nos últimos 7 anos, mais 5.3 milhões de americanos estão vivendo na pobreza, e ele acrescenta pesaroso, na comparação com a outra América, que " a estrutura de classes ainda não chegou lá, mas está se dirigindo na direção do Brasil e do México".

O problema é fundamentalmente de escolhas fiscais que são regressivas, visando aumentar grandemente o patrimônio de quem já tem riqueza muito consolidada, endividar o País, aumentar gastos militares, e cortar investimentos sociais. Stiglitz prossegue:

"(..)Os subsídios agrícolas dobraram entre 2002 e 2005. As renúncias fiscais – um vasto sistema de subsídios e preferências escondidas no sistema tributário – aumentaram em mais de 25%. O corte de impostos para os amigos do Presidente, da industria de petróleo, aumentou em bilhões e bilhões de dólares.Sim, em cinco anos depois de 11de setembro, as despesas de defesa aumentaram efetivamente (em algo como 70%) embora muito do crescimento não fosse de ajuda à guerra ao terror de modo algum, mas para terceirizações a empresas em missões falidas no Iraque.Enquanto isto, outros fundos continuaram a ser despendidos em parafernálias de alta tecnologia usuais – armas que não funcionam, para inimigos que não temos...

(...)O dinheiro foi sendo gasto em toda a parte, exceto onde era necessário. Durante estes sete anos passados, a porcentagem do PIB gasta em pesquisa e desenvolvimento fora da defesa e saúde caiu completamente. Pouco foi feito sobre a decadente infra-estrutura, seja para os problemas de New Orleans ou para a pontes de Minneapolis.A maior parte do desastre será colocada para o próximo ocupante da Casa Branca.Embora falasse contra programas para os mais necessitados, a Administração sancionou os mais altos crescimentos em auxílios nas quatro décadas – o pobremente planejado Medicare e beneficio em drogas, ambos no período eleitoral como clientelismo e negócios para a indústria farmacêutica. Um documento interno foi revelado mais tarde sobre verdadeiro custo da medida, escondida do Congresso. Enquanto isto, as companhias farmacêuticas receberam favores especiais.Para acessar os novos benefícios, os pacientes idosos não poderiam optar por comprar medicamentos mais baratos no Canadá e outros países. A lei também proibiu o Governo dos Estados Unidos como o maior comprador individual, de negociar com os fabricantes de medicamentos para baixar o preço dos remédios. Como resultado, os consumidores americanos pagam muito mais alto pelos medicamentos do que a população de qualquer outro lugar do mundo desenvolvido.."

Meridianamente, mostra que os argumentos de Bush sobre a renúncia a impostos para estimular a economia nunca tiveram qualquer fundamento real, pois o estímulo por dólar do déficit foi sempre foi muito baixo, e o que realmente estimulou foram as taxas de juro do Federal Reserve Board, chegando até 1%, ou mesmo negativas, descontada a inflação, criando um intenso consumismo nos Estados Unidos sem produtividade real e aumento de condições reais de riqueza. O crédito foi oferecido em amplas proporções a quem não tinha condições reais , e os débitos em cartão de crédito alcançaram cifras como 900 bilhões de dólares entre julho-agosto de 2007. Os domicílios americanos tomaram vantagens das baixas taxas de juro, fizeram novos contratos com taxas fictícias iniciais e seguiram adiante nos procedimentos.As estatísticas econômicas mostraram melhorias aparentes, mas as taxas de financiamento das casas iriam crescer e os contratos se tornariam impossíveis de refinanciamento. No que é o ponto mais grave de seu artigo, Stiglitz afirma diretamente que

"(..)o Presidente sem dúvida esperava que isto pudesse ocorrer em algum momento depois de 2008, e aconteceu 18 meses antes.Como muitos de 1.7 milhões de americanos que devem perder suas casas nos meses que estão por vir. Isto significará a volta espiral à pobreza.Entre março de 2006 e março de 2007, as taxas de falência pessoal atingiram mais de 60%. Assim como as famílias entravam em falência, mais e mais delas passavam a entender quem tinha ganho e quem tinha perdido, como resultado da lei de falências que o Presidente aprovou em 2005. Ela tornou mais difícil aos indivíduos se descartarem dos seus débitos de modo razoável. Os emprestadores que tinham pressionado pela "reforma" tinham sido os claros ganhadores, ganhando vantagens adicionais e proteções para si mesmos.As pessoas que enfrentavam o desastre financeiro ficavam com a conta..."

Nos custos totais de Stiglitz, a conta do Iraque já alcançou pelo menos a 2 trilhões de dólares,incluindo todos os custos que deveriam ser computados, como reposição de material e depreciação de ativos de companhias americanas no Exterior, algo que a Administração não faz.Parte significativa disto poderia ter sido investida em educação garantindo acesso à alta educação para todos os americanos e tecnologia ou aprimorando a infra-estrutura, para os Estados Unidos estar em muito melhores condições de enfrentar desafios que encontrará no futuro, incluindo até ameaças do Exterior. O endividamento do Governo, do País e das famílias para sustentar consumo e diminuição de investimentos em ativos fixos, plantas e equipamentos que ajudam a aumentar a riqueza fará declinar o crescimento do padrão de vida dos americanos. A confiança na economia americana decaiu enormemente, também o valor do dólar, a 40% contra o euro desde 2001.

Finalmente a posição do comércio, e os protecionismos que contradizem toda a fala por livre-comércio e melhor comércio que pode realmente auxiliar no desenvolvimento de vantagens comparativas. Mostra que se os Estados Unidos deixassem de comprar têxteis da China, comprariam de Bangladesh ou Camboja e o déficit continuaria.E que instituir protecionismo contra a industria do aço não resolve nada, fazer acordos bilaterais forçando paises pequenos a aceitar condições amargas - estendendo proteções de patentes de drogas que eles desesperadamente necessitam para lutar contra aids - não é melhorar o comércio. Coibir a China de comprar de uma pequena companhia de petróleo americana cujos ativos estão fora dos Estados Unidos, também não.Promover subsídios agrícolas que distorcem os mercados internacionais e ferem pobres agricultores dos paises em desenvolvimento não é melhorar o comércio.Isto enfraqueceu a cooperação e não aumentou o volume nem mudou os termos de comércio.Os contratos imobiliários norte-americanos terão influência sobre vários mercados que os compraram, e os Estados Unidos estão cada vez mais dependentes de outras nações para financiarem o seu próprio débito - a China detém mais de 1 trilhão de dólares em títulos públicos e privados norte-americanos.Os empréstimos cumulativos do Exterior durante seis anos de administração Bush já somam 5 trilhões.Aparentemente os credores não demandarão suas dívidas – se em algum momento o fizessem, haveria uma crise financeira global.

" O que é requerido é simples de descrever: cessar nosso comportamento corrente e fazer exatamente o contrário(..) não despender dinheiro que não temos, aumentar taxação sobre os ricos, reduzir o bem estar das corporações, fortalecer medidas de seguridade para os menos aquinhoados e fazer maiores investimentos em educação, tecnologia e infra-estrutura (...) deveríamos tentar nos deslocar da carga de imposto do que vemos como boas, tais como trabalho e poupança para coisas que vemos com ruins, como poluição. Com respeito à seguridade, lembrar que quanto mais o Governo auxilia os trabalhadores para aprimorar suas habilidades e propicia cuidados de saúde disponíveis, mais liberamos empreendimentos americanos para competir na economia global.Teremos uma chance melhor de ter outros mercados abertos se nós mesmos atuarmos menos hipócritamente – se abrirmos nossos próprios mercados para seus bens e pararmos de subsidiar a agricultura americana.Finalmente, estaremos muito melhor se trabalharmos com outros países para criarmos um comércio global e sistemas financeiros justos e eficientes".

Obama e Hillary Clinton estão caminhando com seus programas nesta direção.Obama mais acentuadamente quer iniciar amplas negociações internas e cortar grandes subsídios agrícolas.É íncisivo sobre retirar subsídios também às corporações e fala em relançar o Nafta (e inclusive a América em geral) sob outras bases, também no eleitorado ibero-hispânico. O fato é que um ou outro quererá melhorar índices de rendimentos médios internacionais para equalizar e redeterminar termos de comércio.A idéia é fazer ganhos de produtividade voltarem a operar para ampliar comercio mais justo em outro nível de especialização.Mas para isto, as especializações dos Estados Unidos não podem chocar com as dos paises parceiros, algo com o que Bush não teve a menor preocupação.