20071218

QUAL MERCOSUL?

Integração schumpeteriana ou
neo-dependência por mais subsídios?


O grande economista Joseph Schumpeter mostrava que novos ciclos se reuniam por paradigmas de investimentos que cresciam e se abriam através de associações diferenciadas. Formavam destruições criadoras rumo a invenções que se generalizavam e com elas, distribuições de riqueza social.
O ambiente da reunião do Mercosul não parece agora estar dentro das condições descritas por Schumpeter, mas a crise pode sinalizar o caminho. Ele foi definido pelos uruguaios como o pior de sua história; criticado duramente pelos paraguaios como no “momento limite”. A União Européia fêz uma contribuição de 71 milhões de dólares não reembolsável como demonstração de sua intenção em vir a fechar acordo de livre comércio - muito distante - e Lula disse que os problemas do Bloco são internos e não devem ser atribuidos aos Estados Unidos. Não tiveram condições de implantar agora o Código Aduaneiro, que daria realmente início a uma união aduaneira. A boa novidade foi o fechamento de um acordo de livre comércio com Israel.
O sentido geral fora definido pelas alianças renovadas entre Argentina e Brasil para pensarem em sua união estratégica. Foi a idéia de relançamento reforçado que trouxe aos dois sócios menores a oportunidade de aumentar barganha sobre questões que sempre estão na pauta: assimetrias entre países e poderes, exagero de salvaguardas e proteções tarifárias que travam eficiência da passagem entre zona de livre mercado a união aduaneira - com inúmeras barreiras de comércio que impedem que os consumidores finais realmente se beneficiem da associação criada em 1991. Há falta de representatividade e legitimidade dos agentes que negociam, porque como eles não provém de Parlamentos ou regimes Parlamentaristas, mais adequados para procurarem em nome dos representados, as instâncias e associações locais, regionais, sub-nacionais e grupos de interesse ainda estão sub-representados no que é fundamentalmente um acordo intergovernamental. A idéia de que os Executivos tenham poderes quase completos para decidirem assuntos externos nos direitos ibéricos é super dimensionada.
Existem Fóruns Consultivos Econômicos e Sociais vinculados à estrutura organizativa. Nos últimos anos, por conseqüência de crises cambiais, revisões de salvaguardas, ações unilaterais e protecionismo, toda esta organização tem se tornado extremamente casuística.A participação da sociedade civil avançou bastante, mas de forma subordinada ou paralela às decisões principais.A criação da rede Mercocidades a partir de 1995 foi um passo nesta direção, mas seu trabalho tem se orientado na viabilização de soluções em meso-nível, que se redistribuem depois entre principais beneficiários.Grandes decisões sobre investimentos são tomadas sem maiores consultas a qualquer densidade de redes comunitárias, porque não se caracterizou ainda união política, mas uma rede de preferências comerciais conduzida por agentes do Poder Executivo.Procuram disciplinar a movimentação do mercado, antecipar-se a ele, ou às vezes exacerbar protecionismos.O Mercosul é governado de fato por um Conselho do Mercado Comum integrado por Ministros de Relações Exteriores e de Economia dos países membros e dirigido na forma de um Poder Executivo pelo Grupo do Mercado Comum, composto pelos mesmos Ministros de Relações Exteriores.Os Presidentes de cada um dos países se reúnem para apor suas assinaturas, conveniar decisões, dar forma solene, e muitas vezes desestabilizam a arquitetura negocial, decididindo questões de última hora, também de forma casuística.Em dezembro de 2005 se criou o Grupo de Alto Nível para dar operacionalidade de reforma institucional ao bloco.Um diagnóstico importante tem sido feito pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (http://www.cebri.org.br/).
O Bloco está sendo visto diferentemente por cada um dos atores neste momento porque se chegou a um ponto de crise de paradigma. Esta crise retrata adequadamente a transição rumo a um volume de negócios ampliado e redefinição da estrutura produtiva, beneficiando ao conjunto – ou uma regressão a completa zona de livre mercado e abandono por muitos anos da idéia de um Mercado Comum. Sugestões bizarras intermediárias, como Alternativa Bolivariana - sustentada por investimentos estatais e baixos níveis educacionais médios, organizando-se setor privado altamente dependente do setor público a custo de subsídios, não devem merecer considerações sérias.São estratégias históricas conhecidas da América Ibérica para crescer sem desenvolvimento e distribuir subsídios, enquanto o mundo caminha para formação de competitividade pelo investimento em capital humano, coesão social, Estado agenciador de produtividade e portanto diligente, com economias que visam aumentar coeficiente de participação no comércio mundial a tarifas mais baixas.
Para o Uruguai, estes anos todos de Mercosul ajudaram a redefinir sua política exterior pós-guerra-fria onde a ambivalência entre competição e cooperação de Argentina e Brasil lhe levavam a uma agenda nacional de modernizar instituições, políticas publicas, e o faziam situar produtos e comercio exterior. A macro região do Mercosul respondia às mudanças mundiais com arranjos predominantemente comerciais, sinalizando uma união aduaneira e mercado comum. Postergava-se assimetrias com sócios menores em políticas agrícolas, pela expectativa do desempenho geral do bloco, que redeterminaria suas exportações, levando por efeito marginal novas e diferentes encomendas aos menores.Durante toda a década de 1990, o Mercosul foi funcional para o Uruguai com a lógica de convergências pelo câmbio fixo, que implicava numa reestruturação da competitividade exportadora das economias, reestruturando também suas importações.Mas quando a Argentina entrou em crise, isto teve efeito sobre os uruguaios, pois o Brasil não pode empurrar o conjunto como grande exportador extra-bloco e comprador intra-bloco. As negociações internacionais se bloquearam, paralisando o efeito dominó esperado pelo Uruguai.Pela primeira vez se pensou em fundos estruturais vinculados às assimetrias, e depois se falou em Parlamento regional.Temas de interesse geral entraram na agenda, como meio ambiente, recursos naturais, energia, e foram integrados ao assunto regional.Uma conjuntura nacionalista e protecionista começou a se sobrepor ao Mercosul, introduzindo temas de regionalismo fechado com os quais o Uruguai como pais eminentemente exportador nunca conviveu adequadamente.Não sendo formador de estrutura de bens de capital em grande proporção nem substituidor líquido de importações, mas um captador de espaços e inserções qualificadas de produtos primários no mercado internacional, o país acabou iniciando conversações com os Estados Unidos para buscar acesso a mercados, inserção no mundo e modernização.
O Uruguai cultivara a auto-imagem no Mercosul como continuidade e até ampliação reformada do seu principal período na América do Sul (1925-1960) em que de uma economia primária extremamente qualificada, emergiu para centro financeiro aplicador e de serviços, com grande formação de capital humano, algo inédito na região. Sendo o centro administrativo do Mercosul, o país esperava (e ainda espera) que isto se traduza em grandes eventos, serviços, investimentos, ao mesmo tempo em que renova o paradigma biotecnológico de seu parque agro-laboratorial, amplia seus famosos produtos lácteos, com custos altamente competitivos. Isto não está ocorrendo pelo protecionismo de seus dois maiores sócios, a Argentina e o Brasil, que ao terem mercados europeus e norte-americanos fechados para produtos primários tradicionais ou biogenéticos de valor agregado, fecham igualmente seus mercados internos. Praticam fechamento de oportunidades de negócios, inviabilizando a entrada do Uruguai. A Argentina também pratica subsídios aos seus produtos exportando-os para competir no Uruguai, algo contra lógica do Mercosul.O conflito sobre as produtoras de celulose, embora contenha elementos ambientais, também é uma das pontas desta política de reforma de comércio exterior uruguaio, voltado para agregação de valor às cadeias de exportações.O país chegou a pensar seriamente em sair do bloco como membro pleno, situando-se como membro associado.
Já o Paraguai tem problema diferente. Ele também oscila entre o que lhe oferecem o Brasil e a Argentina e a abertura de livre comércio com a diplomacia norte-americana, pois tradicionalmente praticou tarifas muito baixas e a partir do Mercosul teve que subí-las. O Paraguai tem comércio deficitário, termos de intercâmbio desfavoráveis, está perdendo em termos reais com a integração. Até paga mais caro a várias empresas brasileiras pelo frete do que os argentinos o fazem. Sua economia é pouco competitiva, muito apoiada ainda no setor agrícola camponês, com empresariado pouco homogêneo e instituições estatais de baixa legitimidade e intensidade. Seu crescimento econômico nos últimos 30 anos foi muito baixo, em alguns períodos nulo, mas conseguiu beneficiar matérias primas exportáveis nos anos 1990, fazendo também triangulação regional e redistribuindo importações. Ganha com a bi-tributação que realiza de produtos estrangeiros. Isto compensa o aumento das tarifas que desmantelou seu contrabando, e agora compra dos vizinhos, produtos industriais de baixa qualidade perdendo inclusive a possibilidade de obter tecnologia a bom preço dos paises industrializados.Os exportadores paraguaios foram prejudicados, mas a chancelaria recusou inclusive propostas de livre comércio de Taiwan, e sofreu pressões por causa de oferta de livre acesso da totalidade de seus produtos bovinos a um estado norte-americano nas próximas décadas. Segue aumentando o déficit com Argentina e Brasil, e o presidente atual Nicanor Duarte Frutos reclama do tratamento que os paraguaios recebem das aduanas brasileiras na fronteira, considerando que se está em momento de grave revisão do bloco.Uma época de incerteza onde os discursos de união e cooperação não condizem com a realidade, seja por conflitos com a Argentina por causa da carne e com o Brasil, ou do Uruguai com a Argentina.
O Mercosul tem sido mesmo um acordo entre Brasil e Argentina, onde o sócio menor organiza suas ações estratégicas pela máxima utilidade decrescente de investimento do sócio maior, isto é, comparando níveis e decidindo proteger seu mercado como barganha para barganhar a fase superior do ciclo. Habilmente, os argentinos captam investimentos quando as importações de mercadorias rejeitadas no primeiro momento se transformaram em capital internalizado no mercado argentino, geradoras de impostos internos.O investimento brasileiro busca mercado complementar de consumo.
Esta estratégia torna o Tesouro argentino sócio de empreendimentos brasileiros pelo imposto, e o Brasil receptor de remessas líquidas de resultados sobre operações argentinas.Capitaliza ambos os lados – mas os consumidores argentinos pagam internamente mais caro do que o fariam se a taxação não houvesse sido provocada pela barreira de comércio.E os empregados brasileiros ficam sem empregos qualificados.Operações semelhantes às da metade da década de 1950, quando plantas inteiras eram transferidas dos Estados Unidos para o Brasil e geravam composições acionárias dentro do País, criando-se o “capital made in Brazil”.O processo de transferência agora vai principalmente no sentido São Paulo-Buenos Aires. Nestor Kirchner conciliou demandas das indústrias tradicionais – mobiliário,têxtil e confecções, calçados e ainda o setor primário - com crescimento econômico e atendimento às classes desprovidas. Houve protecionismo anti-Brasil em todos estes setores. Se conciliou com aumento da presença de capital brasileiro também nestes setores.Alguns mais sofisticados, como siderurgia,eletroeletrônica, tiveram igualmente participação brasileira.As escalas são normalmente feitas no Brasil e complementadas na Argentina.O segundo momento trouxe intenção de desdolarizar a relação com o Brasil, que atende ao interesse imediato de criar conta corrente que viabilize importações para etapa mais ambiciosa – a economia argentina tem grandes carências para ampliar suas industrias, especialmente na área de novas tecnologias para aumentar produtividade visando exportar valor agregado.O BNDES acenou inclusive com apossibilidade de financiar recuperação tecnológica ou ampliação de pequenas e médias industrias argentinas. Cristina Kirchner anunciou em sua campanha que quer combater pobreza, desemprego e atender saúde, educação e qualidade de vida. Isto teria relação com atingir maior produtividade na sociedade argentina e maior educação. Agora pretende fazer isto em integração com o Brasil, onde ambos os países definiram comissão com reuniões periódicas de cúpula - a primeira, já em fevereiro.O problema é que o Brasil tem gigantescas carências, e não é a Alemanha de Maastrich,nem os Estados Unidos com o papel que começou a desempenhar durante a Aliança para o Progresso(1961). Pode transferir recursos somente apostando em produtividade de seus investimentos imediatos.O processo tem certamente que trazer benefício também para o Brasil. Pode-se fortalecer integração de cadeias produtivas, pesquisa científica, energética, mas principalmente alterar qualitativamente a estrutura produtiva dos dois paises, colocando-as formidavelmente em outro nível.
O Brasil tem comprado matérias primas argentinas e vendido produtos com maior valor agregado, e teve superávit de U$ 3 bilhões neste ano.Se os níveis forem mudados e ampliados, aumentam comércio e volume de transações, e como se redeterminam níveis de troca, isto tem efeito circular sobre os outros dois parceiros – que também aumentarão seu volume de negócios. Mas há questões que precisam evidentemente ser completamente alteradas. A Argentina anunciou que pretenderia impor restrições tributárias a investimentos estrangeiros, fortalecendo o fisco sobre capitais investidores na sua economia.Se não houver exceções ao Mercosul, isto atingiria importantes capitais brasileiros que investiram na Argentina, e é completamente contrário aos investimentos do bloco, e aos investimentos em geral.Viabilizar a produção dos argentinos às custas da economia brasileira na forma de investimentos, recursos, linhas de crédito, só terá sentido se ampliar também a participação do Brasil no volume de negócios argentino e principalmente, facilitar decisões micro-econômicas entre os dois paises. Aquelas que realmente importam no dia a dia para os agentes operarem em mercados, legislações, sociedade civil e burocracia. Que reduzem custos de transações, incentivando empreendimentos comuns, corredores de fronteiras e instituições comuns no ensino, comércio e investimento.Estas últimas são fundamentais para ampliar a integração, pois os corredores produtivos, onde as cadeias se integram e se fazem – as micro e meso-regiões, sub-regiões, estados fronteiriços, agentes empresariais, associações comerciais e de investimentos, ainda estão pouco intercomunicados.
A pretensão sobre integrar cadeias produtivas, como enunciada por Cristina Kirchner é antiga, avançou em alguns pontos, e tende a diminuir conflitos nos blocos.Pode articular e complementar diferentes firmas ou setores inteiros para gerar ganhos em capacidades competitivas para a cadeia como um todo. Também melhorar coordenação ou aumentar produtividade contribuindo para aumentar a performance. E as cadeias podem ocorrer em escala local, regional, nacional ou macro-regional.Passar da etapa de competição por custos e preços, para inserção em capacidade de inovação e uso de mão de obra qualificada é um objetivo amplo e que requer negociações efetivamente superiores.O Mercosul não avançou ainda até o paradigma industrialista em que a integração é meio para reestruturar produtivamente maiores especializações, e somente agora parece querer realmente formular arranjo geral comum de provedores, fornecedores, terceirizações a reunir paises - aspectos perfeitamente compreensíveis dentro de um paradigma como este.Também o surgimento de clusters, aglomerados, ou redes empresariais supra-nacionais.Os maiores conflitos dentro do bloco se deram exatamente onde estão ausentes empresas transnacionais, e tecnologias de grande densidade, e intervém empresas familiares, recorrendo de forma assídua a medidas defensivas, até contra os próprios sócios.Há discussões antigas sobre setores, complementação produtiva no setor de bens de capital, inclusive de empresas binacionais, e fundo de promoção de investimentos.Quando se criaram os Foros de Competitividade de cadeias produtivas, a partir de 2002 entre funcionários estatais, representantes empresariais e sindicais do setor privado, acertou-se que as reuniões de ministros dariam operatividade ao processo.
Em março de 2003, representantes argentinos e brasileiros decidiram criar o Conselho Agropecuário do Sul, para promover formas conjuntas de comercialização e estimular cadeias produtos agropecuários e agroindustriais.A soja seria um dos setores a ser posto em pratica prioritariamente.
Esta questão agro-industrial tem estudos como o de Paulo Waquil, que se tornaram extremamente importantes - O setor agrícola nos 10 anos do Mercosul. Indicadores Econômicos. FEE. Porto Alegre, v.29, n.01, 2001 Formam entendimento de que harmonização agrícola é atingível, mas depende também da harmonização tributária.
Os sistemas tributários dos países membros são bastante desarmônicos, especialmente o caso brasileiro em relação aos demais. Argentina e Uruguai utilizam o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), sendo que o último adota alíquotas reduzidas para produtos agrícolas. Ele taxa em 12% estes produtos, já a Argentina aplica a alíquota padrão (21%). O Brasil possui um IVA estadual (ICMS) e um federal (IPI), com grande diversidade de alíquotas. Além destes, há ainda as contribuições (Cofins, PIS, CPMF e Previdência) incidindo na agricultura brasileira. O principal problema é a falta de harmonização tributária que acarreta perda de competitividade dos produtos agrícolas e agroindustriais brasileiros. No Brasil cerca de 50% do preço final do arroz ao consumidor é constituído de impostos.São as assimetrias e divergências entre as políticas do Brasil e Argentina que impedem uma Política Agrícola Comum no Mercosul. O preço do arrendamento da terra também retrata diferenças. Na Argentina o custo do arrendamento equivale à metade do brasileiro e no Uruguai chega a custar até um terço do que é cobrado no Brasil, além dos preços das terras argentinas e uruguaias serem bem inferiores aos preços brasileiros. No caso de produção de arroz, outros elementos que desempenham papel relevante na composição dos elevados custos de produção são os insumos, custos financeiros, máquinas e equipamentosJá pequenas e médias empresas também se prepararam para desfrutar das vantagens do processo de integração, através de esquemas comerciais e de distribuição integrados.Acordos de complementação produtiva inter-firmas, não avançaram porque encontraram barreiras culturais, barreiras não tarifárias como quotas, elementos técnicos medidas compensatórias e anti-dumping.Os Foros de competitividade ajudam a passar de agenda de políticas «defensivas » -salvaguardas, antidumping - a outra «ofensiva » -por geração de estratégias de especialização e complementação coordenadas em nível do bloco.
Mais adiante, trago observações de Thomas Courchene, o professor canadense considerado um dos quatro maiores especialistas do mundo em Intergovernamentalismo, Federalismo e Globalização. Suas análises sobre o Mercosul, produzidas em Seminário Internacional em 2002 em Porto Alegre, têm grande atualidade. Por elas, visualiza-se muito bem como se dá o processo de glocalização, ajuste dinâmico do setor público, federalismo renovado e redes de capital humano a que se refere como conseqüência inevitável da abertura de regiões mercados.O Mercosul ainda não mobiliza adequadamente estas variáveis.